sábado, 7 de junho de 2008

O poço


Corro numa imensa escadaria em caracol. Para onde me leva ela? Não sei. Não quero saber, não quero sofrer com a resposta. Mas corro sempre. Porque sei que um dia chegarei ao topo, não interessa o que aconteça pelo meio. Não interessa quantas vezes caia, quantas vezes abrande o passo, desde que continue sempre em frente. Desde que continue sempre a caminhar pela casca daquele gigante caracol. Sempre, sempre caminhando em círculos, parecendo que não me movo e que volto sempre ao ponto de partida. Mas no entanto sei que depois de cada volta estou um pouco mais perto do topo, um pouco mais perto do fim.
Finalmente, vejo a luz no cimo daquele poço vazio de iluminação. Estou quase lá, falta pouco. Os meus passos aumentam o ritmo, sinto o meu coração a explodir dentro do peito, todo o corpo a ressentir-se com o esforço. Mas continuo. Já não sinto as pernas, não sinto os pés. Ando porque o meu corpo está programado para o fazer. Já não controlo os meus movimentos.
Era agora. Faltavam apenas duas escadas…
Uma … Estava quase lá.
Ia a sair…
De repente paro. Não consigo avançar. Não quero deixar tudo o resto para trás.
Tenho medo?... Se calhar. Afinal, não há mal em recear. É isso que nos torna nós mesmos.
E assim, volto para o fundo do poço, da escada em caracol. Porque não vou deixar tudo o que tenho apenas para chegar ao topo. Não quero. Não irei fazê-lo. Vou lutar, isso sim, mas para viver melhor com o que tenho, para conseguir sempre mais, mas sempre dentro do meu poço, dentro da minha vida, dentro do meu círculo, da minha casca de caracol.
Não me importa que não chegue à luz, pois aqui em baixo eu tenho outra luz: a luz dos meus amigos, a luz de tudo o que conheço e de tudo o que quero ter. E se nunca chegar ao cimo, não me importarei.
Mas no fundo sei que talvez um dia consiga sair do meu poço. Mas sei também que quando isso acontecer, não terei pressa de o fazer. Sei que aproveitarei cada momento do antes e do depois. E do durante.
Pois isso é que é viver